A natureza lendária de Yerba Mate
Chimarrão é o mate cevado sem açúcar, preparado em uma cuia e sorvido através de uma bomba, é a bebida proveniente da infusão da erva-mate (Ilex paraguariensis), planta nativa das matas sul-americanas, inclusive no Rio Grande do Sul. Esse hábito de consumo (que é praticamente um ritual) não é recente; sua origem possui um caráter lendário, herdado dos índios. Acredita-se que o uso da erva-mate tenha sido transmitido por Tupã, deus do trovão, que passou os conhecimentos da erva aos indígenas. O termo Cimarrón, em espanhol, define-se a algo bárbaro, bruto e selvagem referindo-se ao sabor forte da infusão.
O mate é acompanhamento rotineiro, sendo comum ver as pessoas consumindo-o nos locais de trabalho, universidades, praças e festas regionais. Além de uma bebida, o ato de matear é uma tradição passada de “pai para filho” (aqui as pessoas começam a tomar mate bem antes dos dezoito anos, mantendo-o como um hábito diário que se estende pela vida toda) tornando o chimarrão uma herança de família, onde a cuia e a bomba são personalizadas com iniciais do dono ou brasões da chácara ou fazenda da família. Chácara é denominado um núcleo de produção rural familiar onde os filhos são sucessores do empreendimento; cada família possui uma estampa, que é utilizada tanto para marcar os seus animais quanto para identificar a quem pertence um objeto, o mate por exemplo.
Um veículo de integração entre pessoas
Podemos dizer, que o chimarrão é a inspiração do aconchego, é o espírito democrático, é o costume que mantém acesa a chama da tradição e do afeto que habita as casas do sul das Américas, chegando a ser o maior veículo de integração entre pessoas. No consumo do chimarrão há o sentimento de viver algo exclusivo, pois mesmo sendo feito seguindo as mesmas etapas, cada pessoa faz um chimarrão único, usando sua autenticidade para fazê-lo e servi-lo.
A primeira coisa que eu faço no dia é o mate, antes de tomar o café da manhã. Depois de tomar um banho eu sento junto com o mate, sozinha. Esse momento é quase uma terapia, onde é possível tanto planejar as atividades do dia quanto organizar os pensamentos. E a relação com essa bebida acaba revelando muito sobre a vida de quem a consome, tornando indivíduo e objeto um elemento coesivo, fazendo com que a pessoa represente nele seus traços culturais, seus valores e seus costumes tornando-o uma extensão de si. Assim, se toda vez que mateio sozinha aprendo algo comigo, ao matear acompanhada aprendo algo sobre os outros, ampliando minha visão sobre o mundo, as pessoas e suas origens.
A vida do gaúcho
Nasci em uma cidade chamada Santa Maria, localizada no interior do Estado do Rio Grande do Sul, extremo sul da América do Sul. Raras são as memórias de infância em que eu não estava com o mate na mão junto à família, conversando ao redor do fogo nos rigorosos invernos gaúchos. Os anos passaram, mas a companhia do chimarrão permaneceu, obtendo lugar exclusivo na mochila ajudando a suportar as poucas horas de sono que a vida universitária proporciona, visto que o chimarrão é rico em cafeína (estimulante do sistema nervoso) e possui também muitos compostos fenólicos (substâncias antioxidantes) boas para evitar o envelhecimento e controlar o mau colesterol.
Na zona rural rio-grandense em que vive o gaúcho propriamente dito, toda a vida no rancho (o trabalho do campo, as viagens a cavalo, os amores singelos e os ódios) é regado pelos sorvos da erva-mate. O homem do campo enraizou por gerações matear no início e no final do dia, hábito que se faz presente até hoje tanto no campo quanto nas grandes cidades. Na roda do amargo os mais velhos contam histórias da juventude, lendas e as coisas que faziam e que hoje são obsoletas; dizendo que com a tecnologia tudo mudou, menos o sabor do chimarrão que é seu confidente. Ao visitar uma casa nesse pedaço de extremo sul, comumente somos recebidos aos calorosos cumprimentos dos moradores seguido de “entre, a casa é sua”. O primeiro cuidado dos bons donos da casa será, então, brindar o visitante com um mate recém cevado. Nas horas de tédio ou de alegria, nos dias felizes ou melancólicos, no rancho ou no campo aberto, será o chimarrão o mais fiel companheiro do gaúcho. Para acalmar o estresse da correria do dia, nada melhor do que ele. Nem nada melhor do que uma cuia de mate para ajudar na digestão, quando a comida ficou “pesando” no estômago.
“O sábio da vida”
E assim, toda a vida do gaúcho é pontilhada pelos sorvos do amargo. A erva mate é um produto físico de conceito abstrato: é minha identidade e a origem dos meus ancestrais. Não consigo mais me imaginar sem a bebida, companheira fiel (inclusive neste momento em que escrevo o presente artigo). Essa infusão permeou toda a construção de um continente, mantendo-se indelével perante o tempo e as evoluções, sendo hoje considerado um patrimônio imaterial do gaúcho. Com a mão estendida ofereço um mate, e agradeço a oportunidade de poder falar um pouco do extremo sul, é uma honra ser portadora de tantas vozes que se unem por um costume muito lindo. Se eu pudesse definir o mate em palavras, seria: “O sábio da vida.”
Andressa Parcianello, Brasil
One thought on “Cultura, Património e Autenticidade de Chimarrão no Brasil”
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